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4 Razões para rejeitar a teoria dos 4 temperamentos

O que é a teoria dos quatro temperamentos? Poucos sistemas de pensamento atravessaram os séculos com tanta insistência quanto a chamada teoria dos quatro temperamentos. Apresentada em muitos contextos como uma “chave para compreender a personalidade humana”, essa teoria nasce há muito tempo, em um terreno dominado pelo pensamento filosófico e médico da Grécia antiga. Para compreender o que ela é, é preciso antes entender de onde ela veio e o que pretendia explicar. Por volta do século V antes de Cristo, o médico grego Hipócrates, considerado por muitos como o “pai da medicina”, buscava compreender as doenças e comportamentos humanos não como obra dos deuses, mas como resultado de processos naturais. Sua intenção era desvincular a medicina do misticismo religioso dos templos gregos, mas, ironicamente, acabou substituindo os deuses por uma cosmologia naturalista, onde o corpo humano seria o reflexo dos elementos fundamentais do cosmos, como terra, ar, fogo e água.Hipócrates ensinava que o corpo continha quatro substâncias básicas, chamadas de humores, sendo (1) o sangue, associado ao ar e à vitalidade, (2) a bile amarela, associada ao fogo e à energia, (3) a bile negra, associada à terra e à densidade e (4) a fleuma, associada à água e à calma.Segundo ele, a saúde física e emocional do homem dependia do equilíbrio entre esses quatro humores. Quando um deles predominava, o comportamento se alterava, e daí nasciam os famigerados “temperamentos”. Aquele em quem predominava o sangue seria sanguíneo, alegre e expansivo. O da bile amarela, colérico, impulsivo e decidido. O da bile negra, melancólico, introspectivo e mais sensível. Por fim, o da fleuma, fleumático, que é aquela pessoa mais calma e impassível.Não muito tempo depois, essas ideias foram sistematizadas por Galeno de Pérgamo (129-216 d.C.), médico e filósofo romano de origem grega, que transformou o conceito hipocrático em uma teoria da personalidade. Galeno não só vinculou os humores ao comportamento, mas também sugeriu que cada pessoa nascia com uma combinação própria desses elementos, e que isso determinava seus traços emocionais e mentais.Foi Galeno quem deu à teoria seu formato mais duradouro, por assim dizer, uma espécie de mapa psicológico primitivo, em que o homem era visto como um produto biológico do equilíbrio interno de fluidos corporais. Essa concepção atravessou a Idade Média, sendo reinterpretada por médicos árabes e escolásticos europeus, e por séculos permaneceu como base do pensamento médico e filosófico sobre o corpo e a alma. Mesmo depois do colapso da medicina dos “humores”, a ideia dos quatro temperamentos sobreviveu como linguagem simbólica para descrever comportamentos. Renascimento, Iluminismo e até mesmo o romantismo europeu a reutilizaram, embora não mais como ciência, e sim como metáfora e teoria psicológica.Quando o cristianismo ocidental começou a absorver certas categorias da filosofia grega, esse modelo foi gradualmente introduzido em ambientes religiosos, ganhando roupagem “moral” ou até “espiritual”. A partir daí, alguns autores tentaram conciliá-lo com a teologia cristã, descrevendo o temperamento como uma “estrutura da alma” criada por Deus. Essa mistura sincrética produziu um dos equívocos mais duradouros da história. O conceito dos 4 temperamentos Na sua forma clássica, e até nas versões modernizadas, a teoria dos quatro temperamentos parte da suposição de que o comportamento humano nasce de uma disposição natural e fixa. Cada pessoa teria uma combinação única dessas quatro forças internas, o que explicaria seu modo de reagir ao mundo, como expliquei de forma breve anteriormente.De acordo com essa teoria, o temperamento seria a base inata do caráter, aquilo que molda nossas emoções, reações e até nossa moralidade. Tanto a educação, o ambiente e até mesmo a fé poderiam “influenciar” o temperamento, mas nunca transformá-lo em essência. Em outras palavras, o homem seria um produto de sua constituição temperamental, um ser cuja estrutura emocional precede e determina suas escolhas.Eis o ponto central, e a meu ver mais perigoso desse sistema. Ele define a personalidade humana de baixo para cima, partindo supostamente da biologia e não da estrutura criacional de Deus tal como vemos em Gênesis. Em seu cerne, a teoria dos quatro temperamentos nega o conceito bíblico de que o coração é a fonte moral e espiritual da vida (Provérbios 4.23), substituindo-o por uma estrutura psicológica e naturalista. O homem deixa então de ser visto como imagem de Deus, portador de uma alma criada para a comunhão com o Criador, e passa a ser tratado como um organismo emocional a ser classificado, uma coleção de tendências herdadas, que precisam somente de ajuste ou equilíbrio, não de regeneração. Nisso tudo, existe um fascínio moderno envolvendo a psicologia antiga, mas hoje, com uma roupagem cristã. O que era originalmente uma hipótese médica ultrapassada foi gradualmente reembalado como “ferramenta de autoconhecimento”.Nas últimas décadas, em especial com o avanço de psicologias populares e abordagens de autoajuda, a linguagem dos temperamentos foi reintroduzida como um modo “didático” de entender personalidades, inclusive no meio cristão.Alguns livros e cursos passaram a ensinar que “Deus nos fez com temperamentos diferentes”, e que conhecer o seu tipo seria essencial para a vida espiritual e ministerial.No entanto, o que parece uma proposta inofensiva é, na verdade, um sincretismo sútil, uma tentativa de vestir o que é claramente uma teoria pagã com linguagem “gospel”, por assim dizer.A suposta neutralidade do modelo ignora o fato de que ele nasce de uma cosmologia alheia às Escrituras, e carrega dentro de si uma visão de homem que dispensa o diagnóstico do pecado e minimiza a obra transformadora do Espírito Santo. Quando o cristão começa a interpretar seu comportamento e o dos outros a partir dos temperamentos, ele não está mais lendo a alma à luz da cosmovisão de Deus, mas à luz de uma filosofia helenista reciclada em psicologia moderna. Diante disso, quero trazer aqui quatro razões do porque um cristão deve rejeitar a teoria dos 4 temperamentos. Como dito antes, a teoria dos quatro temperamentos nasce do ventre da filosofia pagã, e, portanto, carrega em seu DNA a negação prática da cruz de Cristo. Essa teoria não é produto da revelação divina, certamente, mas fruto da especulação humana. Perceba o