Amados inimigos,
Escrevo-lhes essa carta para que conheçam a sutileza do meu ofício. É claro que não preciso convencê-los a abandonar o vosso Cristo de uma vez, pois sei que seria impossível a quem Ele de fato selou com Seu Espírito. O meu trabalho é algo mais… refinado. Eu planto dúvidas, como fiz no Éden com seus primeiros pais, se lembram? “É assim que Deus disse?” (Gênesis 3.1). Não me preocupo em fazê-los negar toda e completamente a verdade, basta que aceitem uma meia-verdade. Assim como Eva, que acreditou em parte do que ouviu de mim, mas torceu a ordem do Criador, desejo que vocês confundam o mandamento de Deus e misturem o santo com o profano.
Deixo claro também que a minha meta não é formar ateus convictos, mas crentes mornos (Apocalipse 3.16). Homens e mulheres que frequentam igrejas, mas vivem como se Deus fosse irrelevante. Se posso semear incredulidade disfarçada de “espiritualidade moderna”, já cumpri meu papel e estou satisfeito.
Saibam que não preciso de estátuas e sacrifícios para me alegrar. Basta que vocês substituam a verdade de Deus por ideologias humanas e seculares (Colossenses 2.8). Quando negociam princípios eternos para parecerem relevantes neste século, estão servindo aos meus propósitos. Obrigado por isso, inclusive.
Quero também que façam da política a sua teologia, que amem mais as filosofias vãs do que a Palavra do Seu Deus. Se consigo colocar em seus lábios slogans do mundo em lugar das Escrituras, já os afastei do centro, que é Cristo.
Lembrem-se de que eu não apareço como besta monstruosa, avermelhado, com chifres e tridente, mas como anjo de luz (2 Coríntios 11.14). Meu prazer está em travestir engano de virtude. Faço do relativismo uma virtude intelectual, da tolerância sem verdade uma marca de amor, da autonomia do homem uma conquista. Quero que pensem que são donos dos seus próprios destinos. Inclusive, muitos de vocês me aplaudem, sem perceber.
Não preciso que vocês se curvem a mim. Basta que deixem de se curvar totalmente a Ele. Meu triunfo está em dividir o coração de vocês, em fazê-los viver com um pé na igreja e outro no mundo (Tiago 4.4). Desejo que a Palavra seja para vocês somente um acessório, nunca a rocha onde edificam suas vidas. Se consigo reduzir a Bíblia a uma opinião qualquer entre muitas, já alcancei terreno.
Não se esqueçam que eu não descanso. Rodeio a terra buscando a quem possa tragar (1 Pedro 5.8). Muitos de vocês me subestimam, pensam que sou lenda ou uma simples metáfora. Alguns dizem que acreditam em minha existência, mas vivem como se eu não existisse. Mas isso é melhor para mim, pois o inimigo que não é levado a sério age sem resistência. Portanto, continuem cedendo um pouco, apenas um pouco. Negociem um princípio hoje, relativizem uma doutrina amanhã, adaptem a cruz para que ela não seja tão ofensiva. Eu não preciso que vocês se tornem devassos, mas que sejam superficiais, pois sei que onde não há profundidade em Cristo, logo logo haverá espaço para mim.
Com todo o meu ódio,
Satanás.
AVISO:
Este é um texto de natureza literária e alegórica, escrito em primeira pessoa com fins de crítica teológica e reflexão moral. O autor utiliza a persona dramática do “Adversário” para ilustrar e alertar sobre as sutilezas da tentação e os perigos do mundanismo na fé. Não se trata de uma revelação, mas de uma obra de ficção.
Clinton Ramachotte é membro da Igreja Batista em Moraes Prado, na capital de São Paulo.
Bacharel em Teologia pela FATERGE, e também pela ESTEC-REF. É também professor da matéria de Seitas e Heresias na ESTEC-REF.
Autor de obras importantes na apologética, como “Os 5 Solas e Eu: A Prática Piedosa dos Solas da Reforma”, “Resposta aos Adventistas do 7° Dia: Um Tratado Apologético”, “Desvendando o Islamismo: Dissecando a Religião Muçulmana”, dentre outras obras.
