A Bíblia permite o aborto em alguns casos?

Recentemente, o político Lucas Pavanato participou de um debate contra 22 esquerdistas. Esse formato de debate tem sido comum em nossos dias e tornei a assistir para ver os argumentos de ambos os lados. Em um dado momento, surge a afirmação de que o aborto deve ser criminalizado (afirmação do político). Contrariando esse argumento, surge um oponente afirmando que em certos casos, a Bíblia não apenas permite, mas incentiva o aborto. Nesse momento, Pavanato acaba se enrolando e afirma que “não falou de Bíblia, mas de ciência”. Ou seja, em alguns momentos, de fato, se vale da Bíblia e de argumentos bíblicos, mas agora, sendo encurralado, evita continuar a falar de Bíblia.

Diante disso, um dos textos mencionados pelo oponente esquerdista está em Números 5.11-31. Quero aqui apresentar a explicação exegética desse texto, a fim de calar os falaciosos que tentam deturpar o texto bíblico em prol de atos pecaminosos como o aborto.

Pois bem. O texto de Números 5.11-31 apresenta um ritual estranho aos nossos olhos modernos, especialmente por estarmos tão distantes da cultura da época. Temos aqui a chamada “prova das águas amargas”, aplicado a uma mulher suspeita de adultério. Poderíamos questionar ao texto se há algo nele que aprove o aborto ou se seria este um caso em que Deus mesmo, de forma indireta, realiza um aborto como punição. E a resposta bíblica para isso seria não, definitivamente não.

A passagem descreve a seguinte situação: um marido suspeita que sua esposa tenha sido infiel, mas não há testemunhas, nem provas concretas. Diante disso, ele a leva ao sacerdote, e um ritual é realizado para revelar a verdade. A mulher bebe uma mistura de água com pó do chão do tabernáculo, enquanto ouve palavras de maldição, palavras que só se cumprirão se ela for culpada. Caso tenha adulterado, a água trará consequências físicas visíveis; caso seja inocente, nada acontecerá, e ela continuará livre para conceber filhos.

É importante observar, desde o início, que em nenhum momento o texto afirma que a mulher está grávida. O foco não está em uma possível gestação, mas na culpa moral de adultério, escondida do conhecimento humano. O ritual não é um teste de gravidez, mas um possível juízo de Deus sobre um pecado oculto. Portanto, qualquer tentativa de associar esse texto ao aborto já parte de uma suposição forçada e equivocada que sequer existe no texto.

Além disso, o texto não descreve nenhuma ação abortiva feita por homens. A punição, se houver culpa, é direta da parte de Deus. O sacerdote não administra uma substância abortiva, tampouco a água tem propriedades medicinais ou venenosas. A ação é sobrenatural. O texto diz que, se ela for culpada, “o seu ventre inchará, e a sua coxa cairá”. Aqui vemos expressões hebraicas que indicam infertilidade ou enfermidade reprodutiva, e não aborto. E mais, se ela for inocente, não apenas será livre, mas “conceberá filhos” (v.28), o que reforça que o propósito do ritual não é interromper uma gestação, mas preservar a justiça e a santidade do casamento.

O uso desse texto como argumento a favor do aborto revela uma séria desonestidade interpretativa, a qual o oponente esquerdista do político usou no debate. Em vez de apoiar a interrupção da vida no ventre, a passagem mostra um Deus que zela pela pureza moral do povo, que julga com justiça, e que, quando necessário, intervém sobrenaturalmente para revelar a verdade. O aborto em nossos dias, por outro lado, é uma prática deliberada e humana, que tira a vida de um inocente, sem culpa, sem julgamento, e frequentemente por motivos egoístas ou conveniência pessoal.

A Bíblia, em toda a sua extensão, ensina que a vida humana começa no ventre (Sl 139.13-16) e que tirar essa vida é um grave pecado diante de Deus (Êx 20.13; Pv 6.16-17). Usar Números 5 como pretexto para justificar o aborto é não apenas errado, mas blasfemo. É transformar um ritual sagrado de justiça que parte do Deus Santo em argumento para a cultura da morte.

Ao invés de sustentar o aborto, Números 5 ensina que Deus conhece o coração, revela o pecado oculto e guarda a santidade do matrimônio. Ele é justo, santo, e jamais compactua com a morte de inocentes. O cristão, sendo fiel às Escrituras, não pode aceitar nenhuma leitura que coloque Deus como cúmplice de uma prática tão abominável quanto o aborto. Portanto, Lucas Pavanato falhou em não conseguir demonstrar sua crença na harmonia das Escrituras e, naquele momento, fez com que o oponente esquerdista se passasse por certo em sua argumentação, quando, na verdade, estava completamente errado e distorcendo o texto bíblico.

— Clinton Ramachotte

Clinton Ramachotte é membro da Igreja Batista em Moraes Prado, na capital de São Paulo.
Bacharel em Teologia pela FATERGE, e também pela ESTEC-REF. É também professor da matéria de Seitas e Heresias na ESTEC-REF.
Autor de obras importantes na apologética, como “Os 5 Solas e Eu: A Prática Piedosa dos Solas da Reforma”, “Resposta aos Adventistas do 7° Dia: Um Tratado Apologético”, “Desvendando o Islamismo: Dissecando a Religião Muçulmana”, dentre outras obras.

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